Estudo da UFF investiga prática da automutilação por adolescentes

Ao notar marcas decorrentes da automutilação em seus filhos, pais não devem minimizá-las ou considerá-las uma tentativa de chamar atenção sem relevância. Atos dessa natureza podem estar ligados a questões psicológicas tão sérias que, se não tratadas adequadamente, evoluem para situações ainda mais complexas. Daí a importância de recorrer à ajuda profissional em busca de intervenções mais eficazes e que possam frear os impactos negativos dessa prática.

As considerações estão no Estudo sobre a Estruturação do Ego e da Personalidade de Adolescentes que se Automutilam, coordenado por Antônio Augusto Pinto Junior, doutor em psicologia clínica e professor da Universidade Federal Fluminense (UFF). Trata-se de uma pesquisa desenvolvida com o intuito de entender quais aspectos emocionais e afetivos estão relacionados a essa prática.

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O projeto se originou a partir da procura por parte de educadores das escolas municipais de Volta Redonda, no sul fluminense, com a queixa de que alguns de seus alunos estavam se autolesionando. Segundo o especialista, foi elaborada uma metodologia visando compreender esse fenômeno, que vem atingindo muitos adolescentes e pré-adolescentes no município.

Pesquisa

As escolas do município indicaram para a pesquisa 80 jovens entre 10 e 16 anos, sendo que 61 deles contemplaram todos os procedimentos e compuseram a amostra. Por meio de testes psicológicos e entrevistas clínicas, foram identificadas características de personalidade dos adolescentes e traçado o perfil do jovem que usa a autolesão para lidar com o sofrimento.

“O resultado dessa pesquisa demanda ações, projetos de intervenção, de escuta e de acolhimento a esses jovens que manifestam este tipo de transtorno”, disse Antônio Augusto. Além disso, outro resultado da pesquisa se refere aos instrumentos utilizados: foram detectados principalmente objetos cortantes como gilete, apontador e estilete. E as partes do corpo escolhidas são, na sua maioria, braços, mãos ou pulsos.

“Os pais devem observar alguns comportamentos como usar constantemente roupas de manga comprida, mesmo no verão. Eles se automutilam, mas escondem os cortes”, diz o pesquisador. Ele ressalta que também é importante observar a presença de objetos cortantes principalmente quando os jovens estão muito isolados.

Em 2020, o Ministério da Saúde lançou uma cartilha sobre o tema em parceria com a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), com a Organização Mundial da Saúde (OMS) e com a Associação Brasileira de Psiquiatria. Voltado para jovens entre 15 e 18 anos, o material reuniu informações, sinais de alerta, prevenção, medidas de proteção, canais de ajuda, etc.

“A automutilação, também chamada de autoagressão ou autolesão, refere-se ao dano a uma parte do corpo do próprio indivíduo, realizado de forma consciente (não acidental) e sem intenção de morrer, com métodos que não são aceitos socialmente. Tatuagens, piercing, brincos ou outras formas de marcar o corpo para rituais tribais ou para exibição pública não são considerados automutilação. O objetivo mais comum na automutilação é aliviar uma dor emocional intensa. O que a pessoa deseja é reduzir a angústia, mesmo que por um curto período. Ao se machucar, a pessoa que se automutila percebe a dor emocional sendo ofuscada pela dor física, dando uma impressão de alívio momentâneo”, registra a cartilha.

Motivação

Em 83% dos casos analisados na pesquisa da UFF, a motivação por trás do comportamento que levou à prática da autolesão parece estar relacionada com conflitos familiares não resolvidos, como violência conjugal e violência de vitimização. Entre as modalidades de vitimização, estão o abuso físico e sexual, a violência psicológica e também a negligência dos responsáveis. Segundo apurou a pesquisa, essa negligência está diretamente relacionada ao percentual de jovens que não foi encaminhado a nenhum serviço de cuidado da saúde mental, que passa dos 50%.

O estudo revela ainda que a autolesão está associada a uma personalidade do tipo depressiva, o que deixa o alerta para possíveis riscos maiores. Segundo o pesquisador, ela pode ser uma porta de entrada para os comportamentos ou práticas suicidas, se não houver nenhum cuidado com a saúde mental.

Antônio Augusto destaca que, na maioria dos casos, quem diagnosticou ou identificou a prática da autolesão foi um professor e não os pais. A pesquisa sugere que os profissionais da educação recebam capacitação, treinamento e formação para a identificação precoce de várias modalidades de sofrimento psíquico na infância e na adolescência.

A partir dos resultados alcançados, o estudo deve se desdobrar em projetos conjuntos com as escolas que encaminharam os adolescentes para que sejam desenvolvidas iniciativas voltadas à prevenção e ao combate à prática da automutilação. A iniciativa deve envolver também uma abordagem em torno da prevenção da violência doméstica.

“Esses projetos visam abrir um espaço de escuta, para que eles sejam acolhidos. E, a partir desse acolhimento, eles possam, juntamente com o terapeuta, compreender, dar significado e ressignificar essa experiência traumática”, conclui o professor.

*Estagiário sob supervisão de Léo Rodrigues // Colaborou Solimar Luz, repórter da Rádio Nacional do Rio de Janeiro.